His Dark Materials 2 Temporada (review COM SPOILERS)

E chegamos ao fim de mais uma temporada de 'His Dark materials', uma série que deixou os fãs de 'Fronteiras do Universo' com sentimentos conflitantes pelos problemas gigantescos na primeira temporada, decisões de roteiro e produção feitas pelo showrunner Jack Thorne, que foram muito questionadas, mas ao mesmo tempo a temporada nos entregou alguns ótimos momentos, cenas que os leitores esperavam a décadas para verem em uma adaptação e principalmente tivemos o final do livro que foi finalmente adaptado, ao contrário do que tivemos no filme 'A Bússola de Ouro' (2007) que termina antes do clímax.
A primeira temporada terminou com grandes cliffhangers e expectativas para a continuação, mas será que a espera valeu a pena?
Iniciamos com 'Faca Sutil'
Essa segunda temporada adaptou o segundo livro da trilogia de Philip Pullman, intitulado "A Faca Sutil" e os leitores já chegam no novo ano da série da HBO/BBC, com menos novidades desse livro já que a primeira temporada adiantou vários plots iniciais desse livro, o que trouxe uma profundidade maior pra primeira temporada.
Já conhecemos Will Parry (Amir Wilson) e já sabemos dos múltiplos universos, porém adiantar muitas coisas acabou estragando outras, principalmente alguns plot twists que poderiam ser apresentados agora. Já sabemos que Lorde Carlo Boreal (Ariyon Bakare) é o Charles Latrom, e quando Lyra (Dafne Keen) descobre isso nessa segunda temporada não temos o impacto que a cena poderia ter.
O mesmo vale para o mistério cercando o pai do Will, pois nós já sabemos desde o início quem ele é no mundo de Lyra e assim também se vai todo o mistério de quem é o xamã que Lee Scoresby (Lin-Manuel Miranda) acompanha.
Um Novo Mundo: Cittàgazze
Tivemos também no episódio 4 uma linda animação com uma narração à la Senhor dos Anéis, pela nova narradora oficial de cenas em off dessa série, Xaphania. Essa cold opening de animação que talvez um pouco expositiva, também foi muito interessante para mostrar os dias de ouro da guilda de Alquimistas de Cittàgazze e também é valido dar tamanha ênfase a história de origem da faca sutil e suas ligações com o portador, já que tal objeto é vital para a trama da história, tal qual o aletiômetro da Lyra.
E nos arredores da Torre dos Anjos ou 'Torre Degli Angeli' que conhecemos novos personagem, dois deles que valem o destaque: Angelica, a líder das crianças sem pais, foi interpretada por Bella Ramsay, que os mais ávidos de séries de fantasia já conheciam como a Lyanna Mormont de Game of Thrones. Bella não tem a personagem mais profunda de todas, mas a atriz tem muita carisma e mesmo sendo um papel pequeno é interessante. Outro personagem desse núcleo é Giacomo Paradise, o antigo portador da faca, interpretado pelo Terence Stamp, muito conhecido de outros papéis, como o general Zod de Superman II (1980). Giacomo aparece em apenas um episódio e está lá para ser o arquétipo base de mentor, o que o ator desempenha muito bem em poucas cenas.

A bagunça das Feiticeiras no Norte
Em contra partida não tivemos tanta sorte com outros personagens novos, a feiticeira Ruta Skadi (Jade Anouka) representa um dos grandes problemas dessa série: o núcleo das Feiticeiras. Apesar das tentativas de concertar algumas coisas da primeira temporada, como o figurino e caracterização delas estarem mais trabalhados, tivemos escolhas não tão aceitáveis, como o que estão fazendo com a personagem da Serafina Pekkala (Ruta Gedmintas). Ela não teve o desataque merecido na primeira temporada e vem perdendo ainda mais o protagonismo que ela poderia ter. Agora nessa temporada nova, várias cenas que são protagonizadas pela Serafina nos livros foram passadas para a Ruta, seria sim importante aumentar o papel da Ruta, mas não em detrimento da Serafina, fazendo as duas ficarem rasas e parecem a mesma pessoa.
Não há diferenças de personalidade entre as duas e até o daemon delas é o mesmo pássaro (coisa que não é o caso nos livros).

No geral toda a trama das feiticeiras é muito arrastada e até elas chegarem em Cittàgazze, temos quatro episódios delas só conversando sobre a profecia e num bate-rebate de atacar o Magistério, tornando todo o núcleo cansativo e redundante e quando chegamos em Cittàgaze tudo tem que correr, pois Lyra precisa conhecer Serafina, confiar nela e ir embora com ela tudo em questão de minutos.
O Magistério
E o troféu de prata de núcleo mais parado vai para o Magistério e toda a ascensão do personagem Padre Macphail (Will Keen).
Quando se pensa em adaptar esses livros podemos ver grandes oportunidades de expansão e pensar em dar um núcleo só para o Magistério é muito positivo, porém novamente Jack Thorne mantém os seus problemas de coito interrompido. Temos muitas cenas que não levam a nada, porque eles ficam segurando as coisas pra deixar como viradas para o final de temporada, e acaba estragando mesmo assim. Como uma cena do Frei Pavel (Frank Bourke) enrolando pra revelar "quem é Lyra Belacqua?" para no fim deixar óbvio a revelação no último episódio, é um ótimo exemplo disso.
Lee Scoresby e John Parry
Mas teve alguns núcleos melhor trabalhados, como a Jornada de Lee Scoresby e John Parry (Andrew Scott) em busca do portador da faca sutil. Os dois personagem contrastam bem, Lee é mais cético de tudo e John é de todo místico, e as interações deles são muito boas, e muito se deve aos atores, que são incríveis. Foi a partir desse núcleo que o elemento mágico da série se intensificou mais ainda, todas as sequências de xamanismo e demonstrações de poder de Parry são muito boas, e abre caminhos para mais cenas épicas que podem vir no futuro. Tivemos também a despedida de Lin Manuel-Miranda como Lee Scoresby, e apesar de que a cena de perseguição e tiroteio não foi lá muito bem coreografada, a cena da morte dele enquanto conversa pela última vez com sua deamon Hester ficou muito emocionante. O laço que Lee criou com a Serafina foi também um dos pontos altos dos dois personagens, e quando ela chega tarde demais para salvá-lo, podemos ver o peso da partida dele.
Marisa Coulter
E assim como a primeira temporada, uma das personagens mais interessantes da segunda é a Marisa Coulter. Fora os figurinos dela que são sempre lindos, a Marisa tem um conflito interno consigo mesmo (vulgo com seu deamon) muito grande, e a todo o momento isso volta, há muitas cenas em que ela maltrata seu deamon macaco, e a outras em que ele é o único que consegue consolar ela. Há um sentimento de dor, ódio e compaixão que os dois tem um com o outro, o que torna uma das relações deamons/pessoas, mais complexas da série. Na primeira temporada Marisa acredita que esse conflito interno que ela vive é a sua fraqueza, mas agora ela aprende que esse auto controle, e repressão que ela põe em si mesma é o que a torna diferente e lhe da "poderes" que ninguém mais tem, como controlar os Espectros. E novamente a cena belíssima da Marisa controlando os espectros trás à tona a magia dessa série, abrindo caminho pra universos mais fantásticos que ainda estão por vir.
Dra. Mary Malone e os Anjos
E o melhor núcleo de longe dessa temporada inteira foi o da Mary Malone e os Anjos. A Simone Kirby entregou muito na atuação da Mary, com olhares apenas, a personagem já transmitia muito, todas suas preocupações, indagações e até sua compaixão. Na primeira metade da temporada, a série se propôs desenvolver muito a Mary, tivemos várias cenas além das de Mary com Lyra (que vemos nos livros). Vimos um pouco do dia a dia da Dra. Malone, vimos sua família, e entendemos um pouco mais sobre como ela é e como é o relacionamento dela com outras pessoas, e isso é de vital importância para Mary e o papel que ela tem de desempenhar como 'a serpente'. E a cena da Mary conversando com os anjos é a melhor da série, as reações dela, a pupila dela dilatando conforme as motivações dos anjos é revelada é de arrepiar.
E nos créditos dos episódios vemos que quem faz a voz principal dos anjos em todos os episódios, inclusive faz a narração da animação da história da faca sutil é a Xaphania, um dos anjos de grande importância do livro 3. E foi muito bem pensado, adiantar um pouco da Xaphania agora, e criar uma conexão dela com Mary. A jornada de Mary só fica um pouco perdido quando ela chega em Cittàgaze, nos livros Mary já vai quase que direto para o lugar para onde ela deve ir, mas resolveram não adiantar tanto esse plot e guardar esse outro lugar para mostrar apenas na 3ª temporada. Chegando cedo demais em Cittàgazze, Mary fica sem o que fazer, até criaram um narrativa dela levando as crianças perdidas para o lugar seguro com os adultos daquele mundo, e isso foi claramente colocado só para a Mary ter algo que fazer no season finale, e não levou a lugar nenhum.
Will Parry
No início dessa temporada temos uma ótima cena de Will finalmente conhecendo Lyra. O choque inicial dela por não ver o deamon dele poderia ter sido um pouco maior, mas no geral os dois atores interagiram muito bem e todas as cenas deles juntos, seja conversando, trocando olhares ou ate brigando, são muito boas. Tivemos um parte super avulsa do Will, indo atrás dos avôs deles, e não deu em nada, novamente criaram uma cena para substituir a equivalente que já foi usada na temporada passada. Às vezes as expansões para coisas além dos livros não ficam tão bem assim na série, e esse é um exemplo. Will tem um desenvolvimento maior a partir do episódio 4, quando ele conquista a faca sutil e sua importância para história finalmente se estabelece.
Tem umas cenas muito estranhas também do Will tendo visões com a faca sutil, que são completamente aleatórias e no final do episódio 1 só servem de um falso cliffhanger já que no episódio 2 isso nem é tratado. Mais para o fim da temporada da a entender que foi o pai do Will que mandou esses flashs para o Portador da faca sutil encontrá-la, ele só não sabia que era o Will, mas mesmo assim essas visões não tiveram muita utilidade. No final o Will teve uma cena muito boa com o pai e a despedida foi emocionante, apesar de terem mudado o assassino do pai do Will e a motivação para isso, originalmente uma feiticeira mata ele por vingança, mas na série foi um soldado do Magistério que estava atacando eles. Will acaba a temporada compreendendo melhor o que é ser o portador da faca sutil, mas sem saber o que aconteceu com Lyra.
Lyra Belacqua
Lyra ainda tem muito destaque, apesar de não ser mais a única protagonista. E uma coisa muto interessante são os reflexos entre as cenas de Asriel (James McAvoy) Lyra, Marisa e Lyra, da primeira temporada e cenas dessa temporada, são um dois pares de cenas que mostram como a Lyra cresceu, e está aprendendo. No primeiro encontro dela com Will ela o imobiliza com o mesmo golpe que lorde Asriel da nela no episódio 1 da primeira temporada, e assim também é quando Lyra reencontra Sra. Coulter ela manda Pan atacar o macaco do mesmo jeito que sua mãe tinha lhe atacado antes.
Outros paralelos ocorrem com a relação de Lyra e Will em comparação com Lyra e Roger (Lewin Lloyd), o seu melhor amigo falecido. Lyra compara bastante Will com ele, e vê similaridades, o que faz com que ela decida confiar nele. Há também um espelhamento com a cena da banheira, na primeira temporada Lyra entra de costas pra falar com Roger enquanto ele toma banho e o mesmo ela faz com o Will.
Após o enredo de recuperar o aletiometro, o foco saí um pouco de Lyra e tudo caminha para Will e seu pai, mas ainda sim somos lembrados constantemente da profecia e temos a revelação de Lyra ser a 'Eva', para ficar claro que sua importância na história ainda não acabou. Há um momento muito interessante que Lyra começa a ficar mais ruborizada ao ver Will, e um momento em que Pan toca na mão de Will, o que é algo extramente íntimo, mas Lyra não fica incomodada, só um pouco assustada de início. E todos esses detalhes vão desenvolvendo bem a personagem, mostram que ela está crescendo, e isso é muito importante para todo o enredo do Pó, e relação de Lyra com todos esses universos.
Fanservices, easter eggs e vem aí da próxima temporada
A segunda temporada como um todo deixou muitos easter eggs, e fez várias piscadinhas para os fãs que já leram tudo, entre elas estão:
- Os anjos aparecendo nos céus de Cittàgazze, assim como a cena final com o lorde Asriel, finalmente conversando cara a cara com os anjos e pedindo ajuda deles para lutar contra a Autoridade. Isso foi na verdade uma resumo de um episódio que não teve, era para ter 8 episódios essa temporada, e esse episódio extra seria só sobre o Asriel atrás de conquistar aliados para a Nova Republica dos Céus. Mas não pode ser gravado por causa da pandemia, aí conseguiram encaixar só essa cena.
- A cena do banco de praça no jardim, onde Will e Lyra conversam na Oxford de Will. Quem aí já leu, sabe a importância desse cenário.
- Iorek Byrnson aparece em algumas cenas durante a temporada, para o público não esquecer do Rei dos Ursos de Armadura, pois ele voltará para o plot principal em breve.
- O final foi um pouco anti-climático, teve cenas muito impactantes mas a maior delas, a cena final do livro 2, não foi adaptada e fez falta. Terminaria com um senso de urgência maior para Will, talvez tenha ficado para o início da próxima temporada, teremos que esperar para ver.
No fim 'His Dark Materials' continua não sendo uma série perfeita, ou uma adaptação perfeita, mas tem muitos pontos fortes, e novamente termina sua segunda temporada com grandes promessas para a próxima e última da série.
- E tem cena pós-créditos! Aparece Roger Parslow num efeito de blur, pedindo ajuda à Lyra, e ele diz não saber onde está.
A série já foi renovada, e foi confirmando que será apenas 1 temporada para adaptar o 3º livro e último livro de 'Fronteiras do Universo'. Mas segue ainda sem data de estreia.
Créditos
Texto: Gabriel Martins
Revisão: Felipe Lima