American Horror Story: Red Tide | "Como nadar e morrer na praia" (review COM SPOILERS)

A nova temporada de American Horror Story decidiu trazer uma nova proposta ao dividir-se em duas partes e contar duas histórias ligadas apenas por um único elemento.
Assim ganhamos American Horror Story: Red Tide, a primeira parte dessa temporada que apresenta uma história com conceitos e ideias interessantes, uma execução que começa muito atmosférica e que até parece que vai chegar em algum lugar...
ATENÇÃO! Esse review contém SPOILERS da 'American Horror Story: Red Tide'. Leia com atenção.
...Mas não foi dessa vez.
A ideia era ousada: uma temporada dividida em duas histórias independentes, apenas levemente conectadas entre si, mas novamente tivemos um trem desenfreado em direção a um precipício, ou melhor, já que estamos num temática marinha, um barco naufragando e indo dormir com as sereias.

A primeira parte da temporada de Double Feature até constrói uma trama interessante ao apresentar a família Gardner, que curiosamente é composta por três tipos diferentes de artistas: Harry Gardner (Finn Wittrock) que é um roteirista sofrendo com um severo bloqueio criativo, Doris Gardner (Lily Rabe), uma decoradora de interiores que conseguiu esta oportunidade de reformar uma casa na cidade litorânea de Provincetown, Massachussets e que está grávida e Alma (Ryan Kiera Armstrong), a filha do casal e uma precoce violinista.
Mas coisas estranhas começam a acontecer na casa onde está vivendo a família Gardner e o bloqueio criativo de Harry o leva a tomar uma misteriosa pílula preta que pode ajudá-lo a tornar-se um escritor ainda mais famoso...

Nesse cenário somos apresentados a dois personagens do elenco fixo naquela veia que apenas American Horror Story pode apresentar: a extravagante e perigosa Belle Noir, interpretada por Frances Conroy, uma famosa escritora de erótica, Austin Sommers, um ator e ex-drag queen, interpretado por Evan Peters e também temos uma nova adição ao elenco da série, o ator Macaulay Culkin que interpreta Mickey, um prostituto e roteirista amador que se torna seduzido por uma possibilidade de obter sucesso.

O começo da temporada e o desenrolar dos episódios parecem melhores e funcionam não porque AHS abandonou o exagero, mas sim por causa do foco na narrativa, um firme desenvolvimento dos personagens e porque dá para ver que aqui a série está se levando um pouco mais a sério.
Com bem menos personagens do que estamos acostumados a conhecer em AHS, desta vez temos uma história fica mais condensada, e por isso, com menos pontas soltas, menos coisas estranhas e erros absurdos. E o "camp" da série ainda está lá, só que dessa vez bem dosado e até natural nos personagens que fomos conhecendo.

Wittrock consegue entregar uma ótima atuação com o seu roteirista decadente tentando obter sucesso e Rabe consegue criar uma personagem em conflito e em constante estado de sofrimento como apenas ela consegue.
Inclusive a aparição de Leslie Grossman como Úrsula, a agente literária de Harry, embora tenha sido infinitamente mais interessante que uma bruxa que mede glúten com a mente (entendedores entenderão), foi o que trouxe um pouco de desequilíbrio nessa dosagem.
Ah, e Billie Lourd está lá também, mas apenas como um enfeite de temporada mesmo.

Outro ponto bem construído aqui foram os monstros dessa história. Parece interessante que esse seja o ano em que tivemos vampiros que não são chamados de vampiros em séries, e que estranhamente nos dois casos esse não-vampiros funcionam bem em seus diferentes conceitos. E aqui os "vampiros" além de que se alimentarem de sangue humano, estão fazendo isso apenas para alimentar o seu suposto talento.
Além disso foi bem interessante especular as intenções da misteriosa Química (Angelica Ross), embora no final não tenha sido nada que faça sentido mesmo.
O uso de drogas relacionado com a sede de sangue e a temática de autodestruição não é uma novidade em AHS, mas aqui com o ambiente bucólico, praiano e afastado podemos ver que essa temática realmente foi levada mais a sério, além de ser relacionada com a criação artística.
E também tivemos algumas questões bem interessantes através da narrativa: o quanto vale se autodestruir para conseguir fazer arte, para se obter fama e atingir o poder? E quem realmente faz arte? O que é arte "de verdade"? Existe o verdadeiro "talento natural"? Quem decide quando uma pessoa é "talentosa" ou não?
Infelizmente essas perguntas interessantes que poderiam ser bem trabalhadas se perdem numa daquelas histórias que desanda e descamba ao chegar no final.
Além disso temos motivações dos personagens que mudam muito bruscamente, isso quando não são nem explicadas e as ideias que encerram a história parecem tiradas do ar, sem nenhuma indicação prévia.
Temos vilões mortos de maneira boba, personagens morrendo de maneira descartável e sem nenhuma consequência emocional para o resto do elenco e uma grande piração na última meia hora do último episódio.

Dito isso temos um ponto positivo: a atuação de Sarah Paulson como T. B. Karen simplesmente é um dos pontos altos desta temporada, assim como toda a construção do arco da personagem e a sua ligação com a arte e as suas pinturas, o seu vício em drogas e a associação com Belle Noir, culminando com o final trágico da personagem, que deve ser um dos momentos mais belamente executados de toda a série.
Embora eu deva apontar aqui que ainda me incomoda algumas gratuidades da série, não apenas no roteiro, mas como em mostrar bem graficamente a maneira correta de alguém cometer suicídio. Violência e sangue não são desconhecidos do público de AHS, mas mesmo assim algumas representações de auto-violência são bem desnecessárias.
Ryan Murphy parece ter roubado a coroa da fama de Stephen King de criar finais universalmente considerados bem ruins, o que não é uma surpresa para quem acompanha a série (e o próprio criador) já faz um tempo.
Talvez não seja ruim repetir a piada de que ele mesmo devia ter tomado algumas das pílulas pretas antes de produzir o último episódio...
Créditos
Texto: Felipe Lima
Revisão: Felipe Lima